Por Clara Drummond
A pandemia só acelerou aquilo que muito temiam já há alguns anos: o fim da revista de moda impressa. Entre 2002 e 2020, o rendimento de periódicos impressos caiu 40%, sendo que 25% foram durante os anos 2010. Hoje, é difícil achar um grande título de moda que tenha edições religiosamente mensais, doze por ano – isto quando não migram para um formato 100% online. As questões que levaram a isso são multifatoriais: os prejuízos causados pela pandemia, o protagonismo das redes sociais, e até mesmo questões morais, afinal, não é mais tão bem visto a glorificação do consumismo extremo, muitas vezes meramente conspícuo, que as revistas de moda promovem. Em tempos de “eat the rich”, não é mais simpático publicações que mal ou bem são dedicadas a idolatrar essa camada da sociedade.
A revista de moda é culpada por muitos males do patriarcado, como a ditadura do corpo extremamente magro, quase anoréxico, e também por ser cúmplice de um sistema que privilegia a supremacia branca – até pouco tempo, eram raras as edições que figuravam modelos negras, isso sem falar da apropriação cultural que sempre correu solta, sem sinal de culpa ou reflexão. Nada disso é bem-visto nos dias atuais, ainda bem!
Mas a experiência tátil de folhear uma revista de moda ainda é especial para muita gente, o que garante a sobrevivência de publicações de nicho, que não se preocupam em atingir o maior número de pessoas possível. Em fevereiro de 2022, a primeira edição da “Black Fashion Fair Volume 0: Seen”, revista da plataforma homônima focada na representação da comunidade negra na moda, esgotou nas primeiras duas horas. A revista de 200 páginas custava 95 dólares e teve edição limitada de apenas 300 exemplares – ou seja, praticamente um item de colecionador. Hoje, a revista de moda impressa é vista de modo similar a um coffee-table book. O objetivo não é ser descartável – e, por isso mesmo, tampouco faz sentido que as edições sejam mensais. É preciso ser especial.
“O lugar natural para marcas de luxo é a mídia impressa, pois dividem valores similares. Num mundo de imagens superficiais e notícias falsas, onde ninguém tem tempo para nada, publicações impressas significam substância e significado” declara Véronique Louisa, diretora global de branding da Moët Hennessy. Nesse sentido, revistas cada vez mais exclusivas, com praticamente nenhum apelo de massa, tanto em termos econômicos quanto artísticos e de linguagem, ainda tem chance de sobrevivência. É uma estratégia específica de marketing. Esse é o pensamento por trás das revistas que tem somente um único anunciante. Em 2022, por exemplo, a Bottega Veneta patrocinou o retorno da Butt Magazine.
A moda sempre esteve na fronteira do consumo com a arte: pode ser revolucionário, pode até mesmo ser vanguarda o suficiente a ponto pertencer a um museu, mas, sobretudo, é imprescindível que seja vendável. Historicamente, a revista de moda sempre operou nesse limiar. Ao mesmo tempo que é palatável o suficiente para que gere consumo e atraia anunciantes, também produz imagens artísticas, até mesmo políticas – e são essas que correm o risco de cessar de existir. Afinal, o algoritmo do Instagram favorece imagens padronizadas, sem nenhum vestígio de sexualização ou controvérsia.
O apelo da imagem de moda impressa é o mote da exposição “Chronorama”, em cartaz no Palazzo Grassi em Veneza (que pertence a Coleção Pinault, que por sua vez também é dos mesmos donos da Conde Nast, que publica a Vogue). A retrospectiva é didática em mostrar tanto o aspecto progressista quanto retrógado da moda desde o início do século XX. Em 1975, a edição de Maio da Vogue veio com um editorial de verão clicado por Helmut Newton. A imagem mais transgressora mostra a modelo Lisa Taylor sentada, de pernas abertas, admirando um homem seminu, criando uma inversão do male gaze – é ele, não ela, o objeto de desejo.
O orçamento gigantesco de outrora que possibilitava esse tipo de ousadia: viajar para o outro canto do mundo para clicar uma imagem controversa. Era comum a equipe se deslocar por milhares de quilômetros apenas para meia dúzia de cliques. Hoje, as marcas precisam pensar: o que é necessário para as vendas, o que é necessário para a imagem e o branding. A torcida é que a revista de moda impressa esteja presente em alguma conclusão, para que permaneça viva.
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