Por Clara Drummond
O filme da Barbie dirigido pela Greta Gerwig estreia essa semana, mas faz meses que o mundo é cor-de-rosa. É, simultaneamente, um feito do departamento do marketing do filme, que conseguiu ser o assunto do momento sem entregar grandes detalhes do enredo, e também parte do zeitgeist, mais ultrafeminino que nunca. O cor-de-rosa vive seu momento de maior esplendor desde a década de cinquenta, quando a cor começou a ser associada exclusivamente ao gênero feminino. No entanto, o significado do tom mudou drasticamente, pois se antes era sinônimo de submissão feminina, hoje representa o empoderamento da mulher que não precisar mais se masculinizar para ser levada a sério.
É preciso entender o contexto sociopolítico de duas décadas específicas para compreender o que o rosa significa hoje, em 2023. Os anos 50 foram um período de enorme backlash contra os avanços recém-conquistados da mulher. Durante a Segunda Guerra Mundial, as mulheres adentraram o mercado de trabalho enquanto seus maridos estavam no campo de batalha. O principal objetivo das vestimentas passou a ser a praticidade, então era comum as mulheres usarem calças com bolsos. A guerra acabou, os homens voltaram a ser a força dominante no mercado de trabalho, e as mulheres passaram a se dedicar a domesticidade. Junto a isso, veio a estética emblemática da época, com saias e vestidos amplos, cabelo, unhas e maquiagem impecáveis – e a cor rosa!
Em seguida, veio a segunda onda do feminismo, as mulheres conseguiram mais liberdade sexual e profissional, os papéis de gênero tornaram-se menos rígidos, e a moda passou a ser mais largada e até mesmo andrógina.
Não é coincidência que a invenção da boneca Barbie tenha sido em 1959. A data, no limiar das décadas de 50 e 60, representa também os limites do feminismo. A Barbie é ultrafeminina, se veste de rosa, e está sempre impecável, mas também é uma profissional bem-sucedida: é atleta, astronauta, presidente, cientista, chef de cozinha, veterinária, e por aí vai.
Os anos 2000 também são conhecidos por serem uma época especialmente misógina. Nos últimos anos revisitamos muitas das mulheres que foram destruídas de forma perversa e injusta pela opinião pública, como Britney Spears e Janet Jackson. No entanto, mulheres no mercado de trabalho não eram mais exceção, e sim regra. Mas, para avançar na carreira, as mulheres precisaram renegar o excesso de feminilidade. Com exceção de Cristina Kirchner, as líderes políticas da época adotavam uma estética austera, quase com o objetivo de fazer o público esquecer que eram mulheres (Hillary Clinton, Angela Merkel e Dilma Rousseff são bons exemplos). E, não à toa, o rosa era justo a cor característica de outro ícone dos anos 2000: Paris Hilton. A ideia era reforçar a personagem que encarnava com certa ironia, a “loira burra”.
O Barbiecore dos anos 2020 é uma resposta a essa pressão de esconder a feminilidade a fim de ser levada a sério. O filme da Barbie surge junto a um movimento maior, desde Tiktokers aderindo a estética #princesscore, #cottagecore até o desfile monocromático rosa criado por Pierpaolo Piccioli para a coleção de outono/inverno 2022 da Valentino (que trouxe, aliás, looks rosa pink incríveis usados por celebridades por Florence Pugh, Anne Hathaway e Ariana DeBose).
O objetivo é contrapor a má reputação da cor rosa desde que passou a ser associada às mulheres. Na cultura pop, temos o materialismo de Marylin Monroe em “Os Homens Preferem as Loiras”, a superficialidade de Lina Lamont em “Cantando na Chuva”, e a crueldade de Regina George em “Meninas Malvadas”. O enredo de “Legalmente Loira” é basicamente Elle Woods provando ao mundo que pode ser uma profissional brilhante mesmo vestindo-se toda de rosa.
Ninguém deveria ser julgado por gostar de uma tonalidade específica. O rosa é somente uma cor entre tantas outras, e sua associação com o feminino é arbitrária. No entanto, as coisas são como são, e, ao abraçar o cor de rosa com tanto entusiasmo, as mulheres e meninas contemporâneas parecem mandar uma mensagem enfática ao mundo, e essa mensagem é GIRL POWER.