No TikTok, a estética #oldmoney reina absoluta e denuncia o que realmente pensamos sobre classe

Por Clara Drummond

Moda e classe são dois assuntos que sempre estiveram intimamente ligados. É só pensar no amplo uso que as marcas de moda usam a palavra exclusivo. Às vezes, é só um adjetivo vazio, como na expressão “estampa exclusiva”, que significa apenas que a estampa foi criada por alguém da equipe de estilo – na cabeça dos assessores de imprensa, parece algo mais chique. A raiz da palavra, no entanto, não mente: para que algo seja exclusivo, alguém precisa estar excluído. A Hermès só tem razão de existir porque exclui a maior parte da população. O apelo do exclusivo é justamente a exclusão. 

 

A moda pode ser compreendida como um conjunto de códigos que diferenciam as classes baixas das classes altas, e, dentro das classes altas, os novos-ricos daqueles que acumulam dinheiro e poder há gerações. A geração Z parece estar obcecada pela estética deste último grupo, vide a proliferação no TikTok de hashtags como #oldmoney, #coastalgrandma, #cottagecore e #darkacademia. O jovem, ao que parece, só pensa em pérolas, camisas polo, blazers de tweed, trench coats, suéteres de cashmere, blusas listradas navy, mocassins clássicos, tudo em cores neutras. 

Há uma contradição inerente à essa tendência. A estética #oldmoney é justamente sobre tradição, sobre herdar o blazer de tweed dos avós, que duram gerações por serem tão bem-feitos, com alfaiataria impecável. Para esse grupo de pessoas, as roupas são mais importantes que a moda, que é efêmera por natureza. No TikTok, os looks da hashtag são criados com peças da Zara, H&M e Shein – o que, ao mesmo tempo, é e não é um problema. Por um lado, é bem óbvio que tudo se trata de uma brincadeira, de uma fantasia, cosplay. Ninguém ali está querendo se passar por uma herdeira alemã, como fez Anna Delvey. Por outro, seria benéfico se adotassem esse hábito, digamos, sustentável, de reaproveitar roupas antigas. Há inúmeras lojas de segunda mão onde é possível comprar itens atemporais de qualidade por um preço acessível aos meros plebeus – e, de quebra, com uma estética #oldmoney mais autêntica. 

A aversão ao consumismo da aristocracia parece uma atitude até mesmo politicamente consciente. Na realidade, é uma forma de expressar o saudosismo de uma época sem mobilidade social. Afinal, os novos ricos dos dias atuais eram os pobres de outrora. Dessa forma, ao excluir o único aspecto que poderia ser ressignificado de acordo com os valores progressistas atuais, a hashtag #oldmoney e similares torna-se apenas reacionária.  

Há um classismo inerente na ridicularização dos novos ricos. Em Legalmente Loira, Elle Woods alega que sofre discriminação por ser loira. Não é para ser uma defesa do “racismo reverso”, é para ser uma piada, afinal, é uma comédia. Mas Elle sofre sim discriminação por não exibir os códigos corretos de riqueza. Aqui, o #oldmoney é o vilão da história, com seu preconceito e rigidez. Elle Woods personifica a famosa frase de Dolly Parton, it costs a lot of money to look this cheap, mas é autêntica, carismática e sexy. 

Às vezes, uma peça de roupa pode ter mais mobilidade social que muita gente de carne e osso. O pretinho básico, por exemplo, até o século XIX era associado a trabalhadoras domésticas, até ser reinterpretado algumas décadas depois pelas mãos de Coco Chanel. É possível encontrar exemplos semelhantes anualmente a cada Fashion Week. “Muitas pessoas que não têm dinheiro para comprar roupas caras tem muito mais entendimento de moda que a elite. Quando você tem muito dinheiro, você perde seu senso de estilo porque não há necessidade de ser criativo. Você compra a sua identidade”, disse o atual estilista da Balenciada, Demna Gvasalia, em uma entrevista para a Purple Magazine. 

O próprio Demna fez sua própria versão de uniformes associados a classe operária nas coleções da Vetements. A ironia perversa é que só é cool usar um uniforme de carteiro se não há risco de você ser confundido com um carteiro. Por outro lado, a classe operária faz uso de logomarcas que podem lhe garantir algum status social. Por exemplo, xadrez Burberry é usado na Inglaterra quanto pela aristocracia quanto pelos hooligans (e, em Succession, foi usado como símbolo pedestre da classe média que economiza dinheiro para comprar um item de luxo). 

Nesse sentido, é subversiva a forma que o #oldmoney é contrastado com a estética da classe trabalhadora em The Nanny, sitcom criada em 1993 por Fran Drescher. Nos anos 90, Fran Drescher figurava com frequência na lista das mais malvestidas, com o mesmo estilo extravagante de sua personagem homônima, nossa flashy girl from Flushing, Fran Fine. Os críticos da época negligenciaram o componente camp tão característico tanto da atriz quanto da personagem. Hoje, é só fazer uma rápida busca na internet para ver que o jogo virou: vários dos mais respeitados veículos de moda repensaram sua posição inicial agora a consideram um ícone de estilo. E a conta @whatfranwore no Instagram tem quase 400 mil seguidores. 

Nos últimos anos, passamos a enxergar com um olhar mais crítico muitos seriados dos anos 90. Não é mais aceitável uma personagem manter um estilo de vida incompatível com seu suposto salário. Mas Fran Fine consegue passar incólume a esse tipo de crítica mesmo sendo uma babá que veste peças recém saída das passarelas de marcas como Chanel, Jean-Paul Gaultier, Hervé Léger, Alaia e Versace. A série não se pretende realista, ao contrário, quebra a quarta parede, e se assume um programa de televisão – em um episódio, Fran Fine chega a encontrar Fran Drescher! 

O uso de marcas consagradas é sobretudo um comentário social. A premissa do programa é o contraste entre a sofisticação aristocrática dos patrões com a cafonice estridente da babá. Fran Fine faz uso de todos os códigos considerados “errados”: cabelão, maquiagem pesada, saias curtas, cores fortes, brilho, casaco de pele falsa, estampa de oncinha. O figurino faz uso dessa ironia para confundir nossas percepções de classe. Em Notes on Camp, Susan Sontag descreve a estética do exagero e do artifício que é simultaneamente maravilhoso e péssimo. É tão ruim que dá a volta completa e fica ótimo. Na maioria das vezes, o camp não é tão claro, navega entre diferentes percepções, dependendo do observador – Sontag diz que camp é mais que um gosto, é uma sensibilidade. Fran Fine usa as mesmas roupas das grandes passarelas, mas de forma “brega” – o que, por algum motivo, torna o resultado mais interessante que aquele originalmente proposto, ou seja, a versão correta, “chique”. 

Fran Fine e Mr. Sheffield são um casal composto por uma mulher de origem pobre e um homem rico. O que mais tem são histórias de amor com essa mesma premissa. Mas, normalmente, a mulher pobre precisa aprender os códigos da classe alta para que possa pertencer a esse mundo. Em The Nanny, é Mr. Sheffield que precisa aprender a afrouxar sua rigidez aristocrática e aprender a ter mais leveza e humor. Aqui, o #oldmoney não traz grandes inspirações a ninguém. 

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