The Idol é um desastre em quase tudo – mas o figurino é uma das coisas que salva

Por Clara Drummond

Já é um consenso que “The Idol” é muito muito muito ruim. A verdadeira pergunta é: será que é tão ruim que na verdade é meio bom? Sim e não. 

O figurino, que realmente é excelente, é uma das chaves para interpretar “The Idol”. A responsável, Natasha Newman-Thomas, consegue um resultado contemporâneo e, ao mesmo tempo, nostálgico de uma era pré-#MeToo. 

A principal foto promocional de “The Idol” mostra Jocelyn, interpretada por Lily-Rose Depp, no body rosa recortado e metalizado que é usado na gravação do seu videoclipe (da marca Nusi Quero, que também criou o maiô de Beyoncé na capa do seu último disco, Renaissance). É uma alusão ao body Jean-Paul Gautier usado por Madonna na turnê Blonde Ambition em 1990. É evidente, no entanto, que a personagem foi moldada a partir de Britney Spears: a coreografia do clipe é similar àquela de “I’m a Slave 4 u” (2001), e o figurino desta cena tem alguma coisa de “Toxic” (2003).  

Jocelyn tem poucos elementos das pop-stars femininas dos dias atuais – embora algumas questões, como a saúde mental fragilizada, podem ter sido inspiradas em Selena Gomez, ex-namorada de The Weeknd, ator e produtor de “The Idol”. Mas Selena Gomez nunca sexualizou sua batalha contra o transtorno bipolar. Jocelyn não escreve suas próprias músicas com medo de que ninguém queira saber suas vulnerabilidades – Taylor Swift, a maior pop-star hoje, é o que é justo por suas letras confessionais, diferente da mentalidade “sex sells” da equipe de Jocelyn. A referência mais próxima é mesmo Britney. 

O slip dress Aya Muse usado por Jocelyn na noite em que conhece Tedros (Abel ‘The Weeknd’ Tesfaye) tem uma pegada Kate Moss nos anos 90 (como na festa da agencia Elite em 1993 ou no evento beneficente da Versace de 1999), mas também poderia ser usado nos dias atuais por Rihanna ou Miley Cyrus. 

No terceiro episódio, intitulado “Daybreak”, Tedros já está 100% no comando da vida de Jocelyn, a ponto de ir escolher seus próximos looks na Valentino da Rodeo Drive. (Aliás, é inserção paga da Valentino? Se sim, foi uma boa ideia do departamento de marketing da marca ser associada a esse tipo de produção? Ainda não sabemos). A cena é claramente inspirada em “Uma Linda Mulher” (1990), quando Edward (Richard Gere) leva Vivian (Julia Roberts) para um banho de loja na mesma avenida. Quer dizer, “Uma Linda Mulher” pode ser encarada como uma versão sexualizada de “Cinderela”, em que a donzela é uma prostituta à espera de ser resgatada por um príncipe encantado. Em “The Idol”, Jocelyn é uma Cinderela dos infernos, e a mudança de guarda-roupa é a porta de entrada, e não de saída, para um relacionamento abusivo.

À noite, no entanto, Jocelyn ainda não está com as roupas novas, e sim com um vestido transparente de renda preta parecido com macacão usado por Dua Lipa na Semana de Moda de Milão em fevereiro deste ano. 

O robe vermelho e o thriller erótico

Agora, vamos ao que interessa: o robe de seda vermelho feito sob medida presente na primeira cena merece um capítulo à parte, não só por ser uma das peças mais icônicas, mas por ser uma ponta tão bem construída ao thriller erótico dos anos 80 e 90. A referência é explícita suficiente a ponto de existir uma cena logo no primeiro episódio em que Jocelyn e Leia assistem “Instinto Selvagem”. 

O thriller erótico surgiu como resposta à epidemia de HIV/Aids. Os anos 70 foram o ápice tanto do amor livre quanto da pornografia feita para as telas de cinema. Na década seguinte, o sexo passou a ser considerado algo perigoso. Daí o sucesso de filmes como “Instinto Selvagem” (1992), “Proposta Indecente” (1993), “Atração Fatal” (1987), entre outros. A mensagem é clara: cuidado com o sexo, na vida real, você pode contrair um vírus; na ficção, você pode ser vítima de um/uma psicopata.  Em “The Idol”, o robe vermelho grita thriller erótico – detalhe para a abertura atrás que deixa à mostra o fio dental usado por Jocelyn. 

Em 2023, temos um outro contexto histórico: o #MeToo desencadeou uma série de denúncias de abusos sexuais na indústria cinematográfica, dentro e fora do set. Por um lado, é visível uma diminuição geral das cenas de sexo em filmes, não só por conta de precauções jurídicas, mas também pelo público mais pudico da geração Z.

O #MeToo também tornou comum a presença no set de profissionais para coordenar cenas de sexo, e assim diminuir a chance de assédio sexual. Logo na primeira cena, “The Idol” ridiculariza o personagem encarregado de assegurar que o robe vermelho não mostre os mamilos de Jocelyn. No entanto, Michael Douglas, que estrelou três dos thrillers eróticos mais emblemáticos, declarou este ano em Cannes que o segredo para uma boa cena de sexo é justo a coordenação prévia com a atriz.

Na realidade, o coordenador de cenas de sexo não só torna o ambiente mais seguro, como também facilita o trabalho do diretor, que sabe onde posicionar a câmera. O temor que as cenas de sexo se tornem menos espontâneas é ridículo, é encenação, logo, nunca foi espontâneo. O coordenador de intimidade torna as cenas mais carregadas sexualmente, não menos (afinal, se os atores estão mais confortáveis, a cena é mais fluida, genuína, sexy). 

“The Idol” estreou no meio a polêmicas: em março, a revista Rolling Stone publicou uma reportagem que relata a demissão da diretora Amy Seimetz – ao que parece, Abel ‘The Weeknd’ Tesfaye achou que o resultado estava demasiado calcado no olhar feminino. Sam Levinson foi o substituto, e cerca de 70 milhões de dólares foram para o lixo. Segundo a publicação, fontes anônimas que trabalharam no set de filmagem descreveram essa nova versão como “torture porn”.

Nas entrevistas, tanto Levinson quanto Tasfaye pareciam se orgulhar do quão as cenas de sexo eram gráficas, chocantes e controversas. “Não é para todo mundo”, disse Levinson. Quando, finalmente, tivemos acesso a tamanha ousadia, o consenso do público e crítica foi: “as piores cenas de sexo já filmadas”. Não havia erotismo, só constrangimento. 

Os thrillers eróticos originais nunca foram sucesso de crítica, ao contrário, a graça era ser um “guilty pleasure”. Os clássicos da época não seriam aprovados pela sensibilidade atual, eram mesmo meio machistas, meio homofóbicos. No entanto, eram divertidos, emocionantes e, sim, eróticos – tudo que falta em “The Idol”. 

O star power de The Weekend fez com que ele tivesse praticamente carta branca no projeto. O artista escolheu usar esse poder para provar ao mundo que ele é bom de cama. Não deu certo, só provou ao mundo sua insegurança sexual (um dos artigos chega a compará-lo a um adolescente virgem que rouba a Playboy do irmão mais velho). É uma pena, poderia ser algo interessante, pelo menos divertido, mas não é. 

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