Por que falamos tão pouco sobre nossa relação íntima com a moda?

Por Clara Drummond

Esses dias, vi no Instagram uma citação que me chamou a atenção: “A moda é boa para os negócios, mas, a longo prazo, é péssima para a vida”. A autora é Kennedy Fraser, ensaísta inglesa que, mesmo sem entender nada sobre o assunto, assumiu a coluna “Feminine Fashions” na revista New Yorker entre 1970 e 1982. A coluna tornou-se um livro, “The Fashionable Mind”, que devorei com bastante interesse. 

É um eufemismo dizer que os textos publicados há cinquenta anos estão mais atuais que nunca. Até hoje, é raro encontrar quem fale de forma profunda e sincera sobre esse tópico tão presente no nosso cotidiano, nos nossos pensamentos mais distraídos ou preocupados, e que movimenta uma indústria quase dois trilhões de dólares. 

O motivo é justamente essa imensa lucratividade baseada no caráter escapista da moda. “Se, para muitas mulheres, a escolha das roupas é uma experiencia ansiosa e irracional, é por conta do nosso desejo de estar na moda”, escreve Fraser. Ora, nenhuma marca vai querer anunciar na revista – ou, nos dias de hoje, na influencer – que vem até nós dizer que os motivos inconscientes da nossa última ida ao shopping são a ansiedade e a insegurança. Não à toa, Fraser escrevia para a New Yorker, que pode se dar ao luxo de fazer jornalismo de moda de verdade, já não é tão dependente dos anúncios da indústria quanto seria Vogue (embora ambas façam parte da mesma editora, Conde Nast). 

De fato, nós também não procuramos a moda para encarar verdades – para isso, existe a literatura e a filosofia, menos populares e lucrativas – e sim em busca da fantasia, mesmo que seja apenas nos momentos de dopamina pós-compra. “O vestido usado três vezes torna-se tão trivial quanto um par de chinelos, ou torna-se um constrangimento. A segunda vez que usamos um vestido é sempre a melhor; na primeira, somos assombrados pela dúvida”, continua Fraser. 

A contradição inerente da indústria da moda é que o consumo e o estilo não raro vão em direções opostas. O consumo é sintoma de incerteza e insegurança. O consumo conspícuo, então, nem se fala. Já o estilo é firmado na certeza da nossa identidade, algo passível de mudanças, porque estamos em constante evolução, mas com uma essência fixa, que não muda de acordo a tendências. Logo, possível de ser atingido com um guarda-roupa enxuto.  

Até aqui, nenhum segredo, no fundo no fundo, todos nós sabemos disso. Mas não é tão fácil assim saber quem nós realmente somos, nem traduzir esse conhecimento do corpo e da alma em roupas. 

Além disso, todos nós somos inseguros, só demonstramos essa insegurança de diferentes formas. A roupa nova nos dá a possibilidade de calar essa insegurança com a ideia de uma versão futura de nós mesmas, idealizada porque não ainda existe, confiante porque estamos lindas (sempre estamos mais bonitas quando imaginamos nós mesmas usando uma roupa nova, os defeitos somem, não há bad hair day). É, no entanto, uma solução superficial, principalmente se a roupa nova não resultar em alegria, e sim em ainda mais insegurança, já que nem sempre o vestido nos cai tão bem quanto gostaríamos – e, no caso daquelas com orçamento limitado, culpa.  

As imagens da moda indicam que tipo de mulher nós queremos ser. E, sobretudo, quais as principais características que queremos que os outros vejam em nós: elegância, senso de humor, inteligência, sex-appeal, subversão, irreverência, ousadia, simplicidade, educação, cultura, pertencimento social etc.

No mundo ideal, é isso que a moda representaria: uma ferramenta de autoconhecimento, e não uma válvula ineficaz contra a insegurança. Mas, é que nos disse Kennedy Fraser: se for boa para a vida, é má para os negócios.  

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